sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Querida mãe Deméter

 



Querida mãe Deméter, peço sua benção e sua orientação para o momento que estou vivendo. Eu que não sei mais o que é ser acolhida e amada por uma mãe e preciso agora mais do que nunca ser uma boa mãe para minha filha. Minha amada filha que me despertou do meu profundo sono de mim mesma, minha Perséfone (sem rapto), a qual irei a qualquer parte deste mundo ou outro por ela. Fazendo por ela faço por mim, faço por cada mulher da minha linhagem que como eu conheceu a negação de amor vindo da sua própria mãe e assim, se sentindo desajeitada e rejeitada seguiu uma vida com mágoas e vazios. Mas isso termina comigo e uma flor brota no deserto, e uma Esperanza inicia o novo e serpentes guiam nosso caminho.

Querida mãe eu oro para que eu tenha a sua generosidade e paciência para viver por estes tempos difíceis, para ter a compaixão por aqueles que não puderam me amar como eu merecia e que se faça um novo caminho, sem mais desencontros e conflitos. Tu sabes mais que eu, pois conheces meu coração, eu dancei para ti assim que recebi minha menina no ventre, o meu desejo de construir uma nova vida e deixar para trás o que não me serve mais. Eu preciso me nutrir de alimento verdadeiro para que assim possa nutrir melhor minha menina. Eu sou a mãe e ela a filha, assim como deve ser, poder sobre poder, útero com útero. 

Tu sabes que me assombra o medo de nos separarmos e assim como eu vivi que o nosso amor seja interrompido. Dissipa esta ilusão da minha mente, fortalece meu psicológico, estou caminhando por mim mesma, aprendendo cada dia a ser a mulher que vim ser neste mundo. São tantas cargas pesadas minha mãe, e eu teimosa carrego elas nas minhas costas, mas eu não preciso demostrar mais nada para ninguém. Sou como a fénix, estou morrendo, estou queimando, mas eu retorno cada vez melhor, cada vez mais inteira. Que eu não tenha dúvida do meu poder, mesmo sabendo que hoje não resta mais ninguém na minha vida e neste deserto que vivo tenho tudo que preciso, eu mesma e minha menina que um dia irá se tornar mulher e minha missão é iniciá-la, e estar para ela quando sempre precise, estou aqui minha menina, estou sempre aqui para ti, mesmo quando me for... estamos aqui, a vida me presenteou com um companheiro de alma, e te agradeço mãe Deméter por poder caminhar com ele 

Nada neste mundo me move mais que meu amor por Esperanza, eu te agradeço minha filha, você é preciosa, me pergunto cada dia porque vieste até mim, eu tão imperfeita, tão cansada desse mundo, da minha própria pele. Tua vinda me fez mulher, me lembrou da mulher que sou e estou me tornando, e que não permitirei mais que me diminuam, que me ridicularizem por quem sou, pela minha emoção à flor da pele, pelas minhas visões e sonhos. Pois não cabendo neste mundo, sendo tão estranha, tão misteriosa, tão imprevisível, mais perto da minha essência feminina estou e tu podes ser o que queres, tu podes simplesmente ser. Mãe Deméter, hoje sou mãe, tenho minhas dores, mas acima de tudo, estou pelos céus como águia, vendo tudo mais além e iluminação e pela terra como Pantera, andando pelas sombras e encarando meus medos. 

Me abençoe e me veja mãe Deméter, te criei para sair de mim, pois transbordo amor, pois meu coração e minha alma precisam de ti, me dê forças, me abraça, me acolhe em teu peito. Abençoa nosso caminhar, mãe e filha, andamos com  a águia, a pantera, a coruja, o tigre e as serpentes, selvagens em um mundo que não nos compreende.... então te peço a paciência, compaixão, tolerancia para seguir meu caminho e por este deserto que cada día me torna mais quem eu sou e menos o que me fizeram acreditar que era. Não estou disponível para quem não me vê ou para o quem não se agrada do que falo e penso. Estou aqui para mim mesma, me coroa e me proteja, se precisar me camufla por teus campos, para que eu possa prosseguir tranquila, cada vez mais quieta e com forte escuta interior, que é o importan, não o que falo. Que cada vez fale menos, que cada vez eu já não me reconheça, apenas seja. Que bom que estás aquí para mim, assim como estou para minha filha. Abençoe nossa união, nos envolva em teus mistérios, enquanto transitamos por este planeta.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Transmutação

 


Pude perceber como as polaridades se tocam e como venho aprendendo a lidar com elas. Nem 8 ou oitenta, e sim harmonia e aceitação. Estou longe de ambas, e como venho fazendo um movimento de observar e sair dos padrões que não me servem mais, os ensinamentos chegam e rápido, e mostram como tenho visão limitada. Há sempre mensagens ocultas através das pessoas e sei que é a forma que o divino fala comigo. Hoje um homem se emocionou e ficamos com os olhos cheio de lágrimas, um completo desconhecido para mim e sei que era a energia da Esperanza em ação, ela faz que algumas pessoas sintam o seu coração, a sua alma, assim como faz comigo. Simplesmente nos emocionamos e tomamos uma dimensão da vida que passou e da vida que está por vir. Ao mesmo tempo que depois me senti mal, sabia que havia uma energia estranha, e era familiar. E lá estava eu dizendo não, é hora de dizer não para essa pessoa tão conhecida que se tornou um estranho. Foi para minha proteção e é algo que não há como explicar o porquê. Apenas sabia que não. 

Não há palavras para descrever o que me passa, se perde o sentindo, eu venho desperdiçando meus dias com falas e irritações, no fundo para não chorar, mas o que acontece é além, e ainda não entendi porque sigo fugindo da dimensão espiritual. Eu sei que muitas coisas acabaram com o nascimento da minha filha e eu só preciso deixar morrer. 

Será um ano difícil o que vem, eu sinto, não só pelo que está acontecendo (quem sabe, sabe). Me falta fé, sou movida por conhecimento... não quero passar os dias esperando pelo que virá, se só tenho esse precioso momento, mas não posso negar o que estou sentindo. As coisas boas estão aí esperando por mim, quem sabe encontro o meu lugar, quem sabe só tenho que esperar sair cada pedacinho da pele que estou perdendo. Transmutar dói, são cortes profundos, despedidas... já não sou mais ingênua, já não sonho mais, se sonho tento me acordar, tenho passado os dias me consolando, não há como saber o que há do outro lado, tenho que mergulhar, estou parindo a mim mesma e nada tem sido como eu gostaria. Já não sei como ser mulher nesse mundo e isso é outro capítulo...





sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Transformação


 “A abertura da festa do amor universal ressoa aqui e agora!


Voltemos à imagem dos círculos na água que partem do ponto de impacto. A mesma imagem simples e surpreendente representa o microcosmo renascido para a vida.

Há em nosso coração um ponto de contato luminoso do qual partem ondas circulares, ponto central que é a rosa despertada para o toque dos raios de luz provenientes da ordem divina, o grande cosmo do amor.(…)


O microcosmo que vive na harmonia e na ordem divina aparece como um sistema de ondas e de energias circulares que se expandem, permanecendo em contato com o Ser divino incomensurável. 


A partir do momento em que o ponto central se torna ativo, realiza-se uma maravilha no homem: realiza-se o consenso. (…) Eis o fim de todos os conflitos externos. Quando a ordem divina é restabelecida em nós e o amor outra vez emana da fonte, então temos amor para todos. 


Assim é Aquário. Ama a Deus acima de tudo e a teu próximo como a ti mesmo. Então a árvore do bem e do mal torna-se a árvore da verdadeira harmonia, da ordem original e do amor. A árvore da vida é, então, erigida em nós.”


Trecho extraído do artigo:  - "Vida sem conflito"  -                                 

Revista Pentagrama Ano 29, nº 2 - Pentagrama Publicações -

Imagem: geralt, por Pixabay -

Cansaço

 


Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;

     Não venhas falar, nem sorrir.

Estou cansado de tudo, estou cansado,

     Quero só dormir.


Dormir até acordado, sonhando

     Ou até sem sonhar,

Mas envolto num vago abandono brando

     A não ter que pensar.

 

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até

     Pensar não foi certo em mim.

Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,

     Escrevi numa página em branco, "Fim".

 

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,

      Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.

Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,

     Mas nunca encontrei parceiro.

 

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.

     Só quero dormir, uma morte que seja

Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -

     Que ninguém deseja nem não deseja.


Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo

     As esperanças e ambições que tive,

E hoje sou apenas um suicídio tardo,

     Um desejo de dormir que ainda vive.

 

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,

     Como um barco abandonado,

Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma

     Sem se lhe saber o passado.

 

E o comandante do navio que segue deveras

     Entrevê na distância do mar

O fim do último representante das galeras,

     Que não sabia nadar.


28 - 8 - 1927


Fernando Pessoa


In Poesia 1918-1930 , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Somente uma mulher pode falar e saber disso




A DEUSA INTERIOR

"Como é que um homem pode saber o que é a vida de uma mulher? A vida da mulher é muito diferente da do homem. O homem é o mesmo desde o momento da sua circuncisão até o fim de seus dias. Ele é o mesmo antes de ter conhecido uma mulher pela primeira vez, e depois. Mas o dia em que a mulher goza o seu primeiro amor divide-a em duas. Ela se torna uma outra mulher nesse dia. O homem é o mesmo depois do seu primeiro amor como era antes. A mulher é, a partir do dia do seu primeiro amor, outra. Isso continua para o resto da vida. O homem passa uma noite com uma mulher e vai embora. Sua vida e seu corpo são sempre os mesmos. A mulher concebe. Como mãe, é uma outra pessoa que a mulher sem filhos. Ela traz consigo o fruto da noite por nove meses no corpo. Algo brota em sua vida que jamais a deixará. Ela é mãe. Ela é e permanecerá mãe mesmo que seu filho morra, mesmo que todos os seus filhos morram. Pois em um momento ela carregou um filho sob seu coração. E jamais volta a deixar o seu coração. Nem mesmo quando está morto. Nada disso um homem conhece; ele nada conhece. Ele não sabe a diferença entre antes do amor e depois do amor, antes da maternidade e depois da maternidade. Ele nada pode saber. Somente uma mulher pode saber e falar disso. É por isso que não aceitamos que nossos maridos nos digam o que fazer. A mulher só pode fazer uma coisa. Ela pode se respeitar. Ela deve sempre ser como a sua natureza é. Ela deve ser sempre donzela e sempre mãe. Antes de cada amor ela é donzela, depois de todo amor é mãe. Nisso se pode ver se ela é uma boa mulher ou não."

(relato de uma mulher abissínia,
do livro 'A Deusa Interior', de Jennifer e Roger Woolger)

Encontrei em: http://anfibia.blog.terra.com.br/
Via Rosa Leonor Pedro no blog Mulheres e Deusas

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Mãe

 


Querida mãe, eu agradeço por tudo mesmo, sei que não foi fácil, e não é porque agora sou mãe e sim porque desde muito pequena eu gostaria de curá-la com o poder do meu amor. Mas eu falhei ao sentir assim, quando somos tão pequenas não sabemos o que é a vida, a vida da mulher que nos cria, a vida da mãe. Tão frágil, tão sozinha no meio de uma família que não te recebeu como merecia, de um mãe que não pode te amar como você também merecia, ter sido uma menina amada e conhecido essa força selvagem que emana das meninas quando podem ser sem tantas regras e repressões. Hoje sei e sinto que estavas muito fragilizada quando me teve, já estavas perdida com tanta dor na alma, carência e incompreensão. Sei porque sempre quis fugir e tão cedo nosso amor se quebrou. Eu fiquei também sozinha, eu decidi ser forte ou pelo menos parecer ser para seguir frente, hoje ainda sou assim, mas os arranhões doem mais. Eu não quero mais lutar, eu não quero mais brigar. Te escrevo porque não me é possível te falar o que vai no meu coração, já faz tanto tempo que nos distanciamos que já não sei ser tua filha mais, mas hoje eu vi uma menina pequena, ariana, sem freios reclamando da mãe que não deixava ela fazer nada; então eu lembrei de mim e essa pequenina, essa força da natureza tocou minha alma e lembrei de ti. Orei pela mãe dela que está tentando fazer o melhor, para que seja tocada pela grande Mãe e veja a sua filha como ela é. É uma pena que tão cedo nossas meninas tem que ser reprimidas quando muito intensas para viver na sociedade doente que estamos, para serem comportadas e aceitas. Esperanza estava muito empolgada com a menina, ela ama as pessoas, ama as mulheres e eu aprendo com ela a olhá-las com amor e parar de criticá-las. Meninas minhas guias. Minha menina te perdoa por todo o nosso desencontro, agradece por ter feito o melhor por mim e por ainda estar lutando pelo seu destino tão difícil, de uma vida cheia de conflitos e poucos abraços. Eu te amo mãe, eu sempre te amei e amarei. Eu preciso fazer essa jornada sozinha, eu preciso me afastar, eu preciso me encontrar no meio de toda essa confusão que vivemos juntas, de abandonos, rejeição, sonhos desfeitos, raivas, negligencias...espero que possa haver um dia melhor para nós, mas neste momento é na dolorida solidão que vivo onde posso me curso, no meu ritmo, na minha profunda e intensa personalidade, o meu útero tão deixado de lado me chama, é tempo de ser mulher, crescer, viver meu inverno nesse verão que chega, ser o que sou, aceitar o que não pude mudar e agarrar com força a nova chance que a vida me deu, o amor de Esperanza, para que nossas meninas possas ser amadas e livres como não nos aconteceu. Te amo, com carinho do meu ser errante por esse mundo, sinto muito por não ter sido a filha que você merecia, mas essa sou eu, uma tormenta em busca de amor e verdade.

Bruna, somente Bruna



segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

E no meio disso tudo onde há espaço para o ser mulher?




 "Como las olas el mar que unas vienen y otras van

Que yo me quedo esperando sin consuelo."


Gostaria de  dizer que alcancei lugares de harmonia com o meu feminino, uma mulher livre e forte como algumas mulheres me chamam, apenas me chamam, mas não ficam para me acompanhar na vida...o distanciamento físico (o emocional sempre existiu) da minha linhagem feminina é necessário nesta etapa da minha vida, para o que estou criando, para as sementes que estou plantando, para o novo em mim. O que dói é saber que não tem para onde correr, que não há como evitar um remorso, que não há colo, compreensão, porque jamais fui vista como mulher e serei vista pelos meus próximo... É aí no sistema familiar, que teremos as primeiras impressões do desenvolvimento de menina para mulher, se tivermos consciência de sair da menina  pelas meninas-mulheres que fomos criadas...vivo o que me transborda na alma, a dor do grande desencontro emocional com a minha mãe e a alegria e o desafio do encontro de alma com minha filha.  A ponte entre o passado e futuro.

Pela primeira vez senti o peso real do que é ser mulher (ignorada no seu íntimo), quando você não agrada, não faz o que esperam, quando você deixa de ser um despejo de lixo psíquico para os outros. Percebo que não há espaço para suas dores do corpo, seu sentir mulher...eu sei que não falo dos prazeres, o que recebi de memória no meu corpo são dores que estão sarando, mas sinto a necessidade de dar espaço para o que dói, para acolher, para dar nome, ou mesmo para gritar e tirar de dentro de mim...

 E no meio dessa agenda maléfica, eu me pergunto como mulher, como mãe de uma menina (não sei mais falar só por mim) onde encontramos espaço apenas para o ser mulher? Nesta loucura deste Sistema em que as mulheres ainda acreditam em política, instituições, nas famílias, nos homens (eu ainda acredito um pouco, nos homens de bem, mas mesmo assim não sabem ver a mulher), porque não lutamos pela nossa causa, pelo nosso útero, pelas nossas dores? Porque ainda filhas do pai, da carreira, do sucesso. Eu fui uma completa filha do pai, fui criada para isso, o feminino nunca teve lugar na minha criação, nem dentro das mulheres... é tanta falta que me projetei para fora e o mais doido como não consigo me adaptar a nenhum sistema falhei lá fora também. E hoje me sinto assim frustrada, entre masculino e feminino. E sim terapeuta nova era não tenho boa relação com papai e mamãe, mas isso é uma longa história, a qual já estou cansada de reviver... nós podemos ir em frente, somos seres individuais, claro é mais difícil ser mulher porque mal sabemos ser uma. Eu nunca soube o que é um amor maternal, ser aceita , acolhida quando mais precisava ou escutada, e não culpo mais minha mãe, ela também não soube o que é isso, mas acredito que assim como eu, muitas mulheres podem sair da indisponibilidade para algo melhor, eu quero a mudança, eu vivo isso em casa pedacinho do meu ser...mas é esmagador o que está acontecendo agora com a humanidade. Porque há um lado meu que não consegue desligar do que se passa ao mesmo tempo que tudo volta a mãe. Sim porque a mãe é nosso primeiro amor, seja do homem e da mulher. Sendo assim a mulher precisa ser olhada, a sua dor, o seu amor, a sua voz perdida, sua alma, a mulher precisa ter espaço que não seja círculos onde nenhuma escuta a outra, ou círculos cheio de deusas e pouca compreensão. 

Acho importante os círculos, cada qual tem sua função e pode ajudar as mulheres no que cada uma busca, à sua maneira...minha experiência é essa e neste momento estar em círculos não me acrescenta em nada, na verdade os últimos círculos que participei só perdi energia vital...

Sei que ainda é minha menina que espera ansiosa por algo que vai se decepcionar, e escolho crescer, ser mulher, me despir de mim mesma, soltar meus fogos para liberar meu útero, meu coração das mágoas, dos silenciamientos, dos conflitos, daquilo tudo que nunca fui, para ser e estar, para revelar o que sempre fui e não me permitir ver.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

As mães



A FERIDA DA MÃE




"Uma das experiências mais duras que uma filha pode ter numa relação mãe/filha é perceber que a sua mãe investiu, de forma inconsciente, na sua pequenez. Para as mulheres nesta situação, é de partir o coração aperceberem-se que a pessoa que as deu á luz, de forma inconsciente, encara o seu empoderamento como uma perda para si própria. Em ultima análise, não é pessoal mas uma tragédia muito real da nossa cultura patriarcal que diz às mulheres que elas são “menos do que”. Todas desejamos ser reais, ser vistas de forma precisa, ser reconhecidas, e ser amadas pelo que realmente somos, na nossa completa e inteira autenticidade. Isto é uma necessidade humana. A verdade é que o processo de nos acedermos ao nossa nosso verdadeiro Ser envolve sermos desarrumadas, grandes, intensas, assertivas e complexas; tudo aquilo que o patriarcado retrata como sendo pouco atrativo na mulher.Historicamente, pois a nossa cultura tem sido hostil para com a ideia das mulheres como indivíduos de verdade. O patriarcado retrata a mulher atraente como a mulher que gosta de agradar, que procura aprovação, que cuida emocionalmente, que evita conflitos e é tolerante aos maus tratos. Até determinado ponto as mães passam esta mensagem às suas de filhas, de forma inconsciente, levando as filhas a criarem um falso Ser, geralmente sob a máscara da rebelde, da solitária ou, da boa rapariga. A mensagem principal é “tens de te manter pequena, de forma a seres amada”. Contudo, cada nova geração de mulheres vem com a fome de ser real. Poderemos dizer que a cada nova geração, o patriarcado está a enfraquecer e que a fome de ser Real está a fortalecer-se nas mulheres, e está de facto a começar assumir uma certa urgência.




O anseio por ser Real e a ânsia de mãe. Isto representa um dilema para filhas criadas no patriarcado. O anseio para viver a sua verdadeira essência e o anseio de ser nutrida pela mãe tornam-se necessidades em competição; há um sentir que tem de se escolher entre elas. Isto acontece porque o teu empoderamento fica limitado ao nível que as crenças patriarcais foram interiorizadas pela tua própria mãe e ela espera que lhes correspondas. A pressão por parte da tua mãe para que te mantenhas pequena vem de duas fontes principais: 1) o grau a que ela interiorizou as crenças limitativas patriarcais da sua própria mãe, e 2) o nível da sua própria perda que resulta dela estar dissociada do seu verdadeiro Ser. Estas duas coisas estropiam a capacidade de uma mãe em iniciar a sua filha na sua própria vida. O preço de te tornares no teu verdadeiro Ser envolve, com frequência, algum nível de “ruptura” com a linha maternal. Quando isto acontece, estás a quebrar com as teias patriarcais internas da tua linha materna, o que é essencial para uma vida adulta saudável e empoderada. Isto normalmente manifesta-se em alguma forma de dor, ou conflito com a tua mãe. Rupturas com linha materna tomar várias formas: desde conflito e desentendimento até ao distanciamento e afastamento. É uma viagem pessoal e é diferente para cada mulher. Em última análise a ruptura está ao serviço da transformação e da cura. Faz parte do impulso evolucionário do acordar feminino estar mais conscientemente empoderada. É o nascimento da “mãe não patriarcal” e o início da verdadeira liberdade e individualização. Num dos extremos, para relacionamentos mãe/filha mais saudáveis, a ruptura pode causar conflito mas, serve de facto para fortalecer o laço e torná-lo mais autêntico.No outro extremo, para relações mãe/filha abusivas ou menos saudáveis, a ruptura pode despoletar feridas não sanadas na mãe, levando-a a atacar ou renegar completamente a sua filha. E em alguns casos, infelizmente, uma filha não verá outra hipótese a não ser manter a distância indefinidamente, para preservar o seu bem estar emocional. Aqui a mãe pode encarar a separação/ruptura como uma ameaça, não o resultado do teu desejo de crescimento, mas como uma afronta, um ataque pessoal e rejeição daquilo que ela É. Nesta situação, pode ser doloroso ver como o teu desejo de empoderamento, ou crescimento pessoal, pode levar a tua mãe encare-te como uma inimiga mortal.Nestes casos podemos ver de forma exacta o custo brutal que o patriarcado exerce no relacionamento mãe/filha.“Eu não posso ser feliz se a minha mãe for infeliz.” Já alguma vez te sentiste assim? Geralmente esta crença vem dor de ver a tua mãe sofrer das suas próprias privações interiores e da compaixão pela sua luta, sob o peso das demandas patriarcais. Contudo, quando sacrificamos a nossa própria felicidade pela da nossa mãe, estamos de facto a impedir a cura necessária que vem fazer o luto à ferida na nossa linha materna. Isso só irá manter a ambas, mãe e filha, aprisionadas. Não podemos curar as nossas mães e não podemos fazer com que nos vejam com exactidão, não importa o quão arduamente tentemos. O que traz a cura é o fazer o luto. Temos de chorar por nós próprias e pela nossa linha materna. Este pranto traz uma incrível liberdade. Com cada vaga de tristeza nós reconectamos-nos com as nossas partes que tivemos de renegar, por forma a sermos aceites pelas nossas famílias. Sistemas pouco saudáveis têm de ser rompidos por forma a encontrar um novo equilíbrio, mais saudável e de mais alto nível. É um paradoxo que curemos, de facto, a nossa linha materna quando cortamos com os padrões patriarcais na linha materna, não quando permanecemos cúmplices como forma de manter uma paz superficial. É necessário garra e coragem para nos recusarmos a compactuar com os padrões patriarcais que se mantêm há gerações nas nossas famílias.Permitirmos que as nossas mães sejam indivíduos liberta-nos a nós (como filhas) para sermos indivíduos. As crenças patriarcais alimentam uma diluição inconsciente, entre as mães e as filhas na qual só uma delas pode ser poderosa; é uma dinâmica de ou/ou baseada na escassez que as deixa a ambas desempoderadas. Para as mães que tenham sido particularmente privadas do seu próprio poder as filhas podem tornar-se “alimento” para a sua identidade atrofiada e um “saco” de despejo dos seus próprios problemas. Temos de deixar as nossas mães fazerem as suas próprias viagens e de deixarmos de nos sacrificar por elas. Estamos a ser chamadas a ser verdadeiros indivíduos, mulheres que se individuam das crenças do patriarcado e assumimos o nosso valor, sem vergonha. Paradoxalmente é a nossa individualidade plenamente assumida que vai contribuir para uma sociedade unificada, saudável e integra. Tradicionalmente as mulheres são ensinadas que é nobre carregar com o sofrimento dos outros; que o cuidar emocionalmente é um dever nosso e que devemos sentir-nos culpadas se nos desviamos desta função.


Neste contexto, a culpa não está relacionada com consciência mas com controle. Esta culpa mantém-nos diluídas nas nossas mães, esvaídas e ignorantes do nosso poder. Temos de perceber que não há uma causa real para a culpa. Este papel de cuidadoras emocionais nunca foi o nosso verdadeiro papel. É somente uma parte do nosso legado de opressão. Visto desta forma podemos parar de permitir que a culpa nos controle. Abster-se de cuidar emocionalmente e deixar que as pessoas vivenciem as suas próprias lições é uma forma de respeito pelo Eu e pelo Outro. O nosso excesso de funcionamento contribui para o desequilibro na nossa sociedade e desempodera activamente os outros, mantendo-os afastados da sua própria transformação. Temos de parar de carregar o peso dos outros. Fazemo-lo assumindo que é a mais pura futilidade. E temos de recusar-nos a ser guardiãs emocionais e depósitos de lixo daqueles que se recusam a fazer o trabalho necessário para a sua própria transformação. Contrariamente ao que nos foi ensinado, não temos de curar a nossa família inteira. Nós só temos de nos curar a nós próprios. Ao invés de te sentires culpada por não seres capaz de curar a tua mãe e os membros da tua família, dá a ti própria permissão para seres inocente. Fazendo isto estás a retomar a tua pessoalidade e a deixar de dar poder á ferida da mãe. Em consequência estás a devolver aos membros da tua família o próprio poder de vivenciarem a sua própria jornada. Esta é uma grande mudança energética que advém de conhecermos o nosso próprio valor, demonstrando-o na forma como nos mantemos no nosso poder, apesar dos apelos para o entregarmos a outros. O preço de nos tornarmos verdadeiras nunca é tão elevado como o preço de nos mantermos no falso Ser É possível que tenhamos reações da nossa mãe (e da nossa família) quando nos tornamos mais verdadeiras. Poderemos enfrentar mau humor, hostilidade, afastamento, ou difamação. As ondas de choque podem espalhar-se a todo o sistema familiar. E pode abanar-nos ver o quão rápido podemos ser rejeitadas, ou abandonadas quando deixamos de ser o motor de tudo e todos e incorporamos o nosso verdadeiro Ser. Contudo, esta verdade tem de ser vista e a dor suportada se queremos tornar-nos realmente verdadeiras. Por este motivo é essencial ter ajuda.No artigo “Mindfulness and the Mother Wound” (Consciência e a Ferida da Mãe) Philipp Moffitt descreve as quarto funções de uma mãe. Nutridora, Protectora, Empoderadora e Iniciadora. Moffitt afirma que o papel de Iniciadora “é o mais altruísta de todos os aspectos, porque está a encorajar uma separação que a vai deixar desprovida (de filha).”Esta função é profunda, mesmo para uma mãe que tenha sido completamente honrada e apoiada na sua própria vida, mas quase impossível para mães que tenham passado por grandes tormentos e não tenham curado suficientemente as suas próprias feridas. O patriarcado limita severamente a mãe na sua capacidade de iniciar a filha na sua própria pessoalidade, porque no patriarcado, a mãe foi privada de si própria. Configura a sua filha para a auto-sabotagem , o seu filho para a misoginia e o desrespeito pelo solo sagrado do qual viemos, a própria terra. É precisamente esta função como mãe que “proporciona a iniciação” que lança a filha para a sua própria e incomparável vida, mas este papel só é possível na medida em que a mãe tenha experienciado, ou encontrado a sua própria iniciação. Mas o processo de separação saudável entre mãe e filha é grandemente frustrado numa cultura patriarcal.


O problema reside no facto de maior parte das mulheres viverem uma vida inteira á espera que as suas mães as iniciem na sua própria vida, quando as suas mães são incapazes de lhes providenciar isto. É muito comum assistirmos ao adiamento do luto da ferida materna, com as mulheres a voltarem constantemente à “fonte seca” das suas mães, em busca da permissão e do amor que as suas mães absolutamente não têm a capacidade de lhes dar. Ao invés de fazer o luto completo, as mulheres tendem a culpar-se, o que as mantém aprisionadas. Temos de carpir a incapacidade das nossas mães de nos iniciarem e embarcar de forma consciente na nossa própria iniciação.
A ruptura é de facto sinal de um impulso evolucionário para nos distanciarmos dos enredos patriarcais da nossa linha materna, quebrar com a nossa inconsciente diluição nas nossas mães, fomentada pelo patriarcado e tornarmo-nos iniciadas na nossa própria vida.
Em última instância este luto cede lugar à compaixão e gratidão genuínas para com a nossa mãe e as mães que as antecederam.
É importante percebermos que não estamos a rejeitar as nossas mães quando rejeitamos as suas crenças patriarcais que dizem nos devemos manter pequenas para sermos aceites.
O que estamos de facto a fazer é reclamar a nossa força vital aos padrões impessoais e limitativos que mantiveram as mulheres reféns durante séculos.
Cria um espaço seguro para a necessidade de mãe. Apesar de sermos mulheres adultas ainda temos necessidade de mãe. O que pode ser devastador é sentir esta necessidade de mãe e saber que a tua própria mãe não consegue preencher esta necessidade, apesar de ter tentado o seu melhor. É importante encarar este facto e fazer o luto. A tua necessidade é sagrada e deve ser honrada. Permitir abrir espaço para este luto é uma parte importante do processo de seres uma boa mãe para ti própria. Se não carpirmos a nossa necessidade de cuidados maternais directamente, ela vai infiltrar-se inconscientemente nos nossos relacionamentos, causando dor e conflitos.
O processo de cura da ferida materna consiste em encontrar a tua própria iniciação para dentro do poder e propósito da tua própria vida. Isto não é um trabalho de auto empoderamento de pouca importância. Curar a ferida de mãe é essencial e fundamental; é um trabalho de qualidade em profundidade, que te vai transformar ao nível mais profundo e te vai libertar, como mulher, dos grilhões centenários que herdaste da tua própria linha materna. Temos de nos desintoxicar dos fios patriarcais na nossa linha materna, por forma a podermos assumir na nossa própria mestria.
Do papel da “Mãe como iniciadora”, o Moffitt diz “Este poder de iniciar está associado com o Shaman, a Deusa, o Mago e a Mulher Medicina”. Á medida que mais e mais mulheres curam a ferida materna e consequentemente assumem firmemente o seu poder, encontramos finalmente a iniciação que procurávamos. Tornamo-nos capazes de iniciar, não só as nossas filhas, mas também a nossa cultura como um todo que está a passar por uma transformação massiva. Estamos a ser chamadas a procurar nas nossas entranhas aquilo que não recebemos. À medida que reclamamos a nossa própria iniciação por forma a curar a ferida materna, juntas como um todo, encarnamos progressivamente a Deusa que deu à luz um mundo novo."


Bethany Welsster via Rosa Leonor Pedro



Extrangeira no meu próprio corpo


 Já não acredito em minhas emoções, quando me vêm uma força, eu paro, estagno, pois sei que é do ego, que procura se mostrar... aí penso onde está a minha verdade? Tenho vivido em desconfiança por tanto tempo, esperando que me decepcionem, procurando algo errado no outro, para confirmar a experiência que busco sempre. Já não sei como prosseguir, já não sei que cor usar, já não sei nem mais do que gosto. Que tipo de vida estoy criando? Eu desconfio até da luz, como cheguei a esse ponto? Estou cansada das minhas projeções, que tudo me parece um filme que criei e que vai chegar no meio lugar, algum tipo de conflito ou separação. Eu realmente não sei me mover de outra forma, tenho que encarar a realidade: não sou alguém importante, por mais que tenha personalidade forte. Não tenho a vida que gostaria, na verdade eu acho que nunca soube o que quis, só fui criando fantasias para sobreviver ao que não me agradava, para parecer que a vida era viva e colorida. Eu espero que essa seja mais uma fase de mudança, de desencanto para que assim eu possa acessar o que é real em mim. Sou apenas uma mulher que busca, uma mãe que deseja ter uma boa relação com sua filha e a tornar a vida dela digna, uma filha que se mova com sua alma e identidade inteira, livre, ousada, a partir de si mesma, esse é meu grande desafio vê-la crescer e permitir que eu cresça também, rompa a crisálida e viva simplesmente o que meu mais profundo e sensível ser sente. Parar de me esconder, e esconder minhas imperfeições, eu jamais chegarei no padrão louco me almejo, a vida é caótica, se desfaz o tempo todo e eu nem sei mais o que estou segurando... colocando o foco nos outros e no seu bem estar, esqueci do meu próprio, esqueci de viver minhas fases para ser madura quando ninguém mais foi, ser forte quando ninguém mais tomou responsabilidade, e hoje já não sei mais o que andei fazendo por esse mundo. Cansei de ser do contra, de fazer esforço para ter algum tipo de harmonia, para conectar, para sentir algum dia da minha vida algo familiar... extrangeira no meu próprio corpo, uma alma que não se sente em casa. Espero que encontre um pouco do que busco, seja uma boa guia para minha filha, para a família que cuido e estou começando. Que aprenda cada vez mais ser fiel a mim mesma. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Parir

 




Geradora da geradora

A pintura foi uma terapia para mim durante a gestação, necessitava conectar com o meu bebê que só soube que era menina quando nasceu, apesar de já saber intuitivamente. Neste mistério, comecei a pintar livremente, imaginando o parto e nosso encontro aqui fora...

Eu fiquei muito tempo de cócoras durante o parto, como havia pintado nessas imagens. Minhas pernas doíam, ficavam dormentes, eu caía e voltava pra mesmo posição, pelo menos lembro de algo assim. Foi a maior alteração de consciência que vivi e que talvez irei viver, senti que realmente que era um canal das "forças cósmicas e telúricas" , que ia morrer, achei que não ia conseguir, era muita expansão, o desconhecido que estava por vir e meu corpo nunca havia passado por isso. 

Eu só queria o meu bebê, eu olhava pra cima pedindo por isso, mas no fundo pedia pra mim mesma, porque já não acreditava e não rezava para mais nada, se havia um deus, toda minha relação e crenças sobre o divino que foram aprendidas e praticadas morreram ali. 

Lembro que a enfermeira me dizia para sentar em um banquinho que só faltava isso para o bebê nascer, enquanto a parteira Bruna dizia que essa posição era um contrato meu com o bebê. Essa é a grande diferença do sistema para as parteiras, parir não é lógico, racional, protocolar. Cada encontro durante a gestação com as parteiras Alejandra y Bruna, o respeito pelo meu tempo  durante o parto, a confiança no bebê, a confiança no meu corpo foi o que tornou possível ter um parto natural. Fui transferida para o hospital porque minha pressão estava muito alta no começo do trabalho de parto em casa aqui em Garopaba. Cheguei no hospital  com 6 cm de dilatação e em algumas horas já estava com 10 cm (não tenho a mínima idéia do tempo que passou), não precisei de indução, praticamente estávamos só entre mulheres, enfermeiras e parteira (dois mundos) em uma madrugada fria em que o médico do plantão "dormia" em todos os sentidos, e a única coisa que fez foi arrebentar o cordão da placenta e dizer que precisava de uma curetagem para ela sair porque já havia passado das 42 semanas como ele leu no livro de medicina...Mas não foi isso que aconteceu, felizmente houve troca de plantão, demorou o suficiente para o outro médico evitasse que eu tomasse anestesia, e quando saiu minha placenta, foi como outro parto de tanta dor, mas estava profundamente agradecida por não ter que passar por nenhuma cirurgia.

Eu cantava para dor, meu esposo apertava minha mão e eu só queria ter nossa filha nos braços, que assim como eu, nasceu em uma madrugada, pouco antes do amanhecer. Agradecia muito minha mãe pela minha vida, por ter sozinha me parido, sem ninguém para abraçá-la em um momento tão bonito e potente na vida de uma mulher; senti que nasci para chegar esse momento, de parir a Esperanza...eu estava tão esgotada e ao mesmo tempo tão feliz por ter conseguido, desejava intensamente por esse encontro, minha alma estava em paz...nossa menina desde muito antes da concepção tão amada, tão desejada, minha mestra e guia do amor.  


Olho no olho




É o mistério que sinto quando olho nos olhos de Esperanza. Tem uma força, uma delicadeza, um amor tão desconhecido para mim, eu penso: de onde ela veio? quais vidas vivemos juntas? Sinto que somos almas afim, sinto que ela veio resgatar minha própria alma e consciência limitada. O passado e o futuro ao mesmo tempo, o velho e o novo. O que me passa despercebido, minhas falhas, minha dificuldade de presença, o meu não saber mais o que desejo...eu preciso me esquecer, eu preciso estar em mim, são tantas distrações e quereres do ego, que sinto que perco algo no desenvolvimento dela, que não posso alcancá-la, está muito mais a frente de mim. E me pergunto: o que posso ensiná-la? Mal eu sei o que é ser mulher, mal sei viver, vivo da busca, de conhecimentos inúteis para o cotidiano, dos meus olhares para o nada, dos meus cafés com chocolate para me acolher...das minhas fraquezas que tento esconder, da minha força oculta...



sábado, 3 de dezembro de 2022

Mistério de ser eu mesma

 


Ali estava eu a me emocionar com meus próprios movimentos dançando em um vídeo. E pensando que mistério, que mistério sou para mim mesma. A dança parecia uma luta, uma angústia, uma busca por libertação, e eu perguntava: é algo dessa vida ou da outra? Porque tanto fogo, tanta força no movimento, tanta energía? Eu passava algo da alma, e pela primeira vez toquei meu próprio coração comigo mesma. Pois já não sei quem sou, estou trocando de pele, mas a essência está alí, naqueles movimentos livres, nos loucos giros, nos braços cansados de não alcançar. Me acostumei a sapatos menores que meus pés, a falar mais baixo, aos "não sonhe tanto", "fique na superfície", "não fale tudo isso"...e agora sigo buscando ir além das minhas limitações, das vezes que permiti ser anulada ou silenciada, ou deixei de fazer algo porque não iriam compreender a mensagem do que estava passando. Eu que ao olhar para este vídeo com outras mulheres dançando em outras partes do mundo juntas, senti que pela primeira vez eu fazia parte, do meu jeito intenso, contraditório, mas senti essa harmonia que emana de mim e que emanava delas. Eu era somente mais uma parte, enfim, eu faço parte do meu jeito singular. Quem sabe o patinho feio não precisa bater de porta em porta exaustivamente, talvez ele apenas tenha que aceitar que como ele é, poder ser o que falta nos outros e vice versa, e isso não quer dizer que ele vai ser aceito, não nesse nível que vivemos, mas ele já é simplesmente uma parte muito importante, que precisa ser lembrada, como uma doce revolta.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Sentir com o útero


"O útero contém o ciclo de transformação. Como a maré que sobre e baixa com a força magnética da lua, o útero tem sua própria maré de sangue. A parede interior do útero se alarga, cresce e logo diminui em uma onda rítmica. Durante o crescimento do endométrio, o útero gesta energéticamente e fisicamente as criações da mulher, lhe dando mais energia para seus projetos desejados. Quando o útero desprende do endométrio, a mulher deixa ir a energia que já não necessita e sua matriz a convida a descansar e focar-se de novo antes de começar outro ciclo criativo. Associo o ciclo uterino com a transformação porque está intimamente conectado com o ciclo de nascimento e morte, e os passos íntimos do processo criativo. Temos ciclos de nascimento e ciclos de morte - quando entra a nova energia e a energia velha se vai - em cada estação de nossa vida."

Tami Lynn Kent

Wild Femenine



Esta noite senti no meu útero um frio, um vazio, como se ele me traduzisse um abandono que sinto em forma de cólica. É um sentimento antigo, de menina. Coloquei minha mão sobre o ventre para passar calor, carinho, aconchego, fui me sentindo melhor. Agradeci, pedi desculpas pelas muitas vezes que não escutei sua voz. Hoje peço para ouvi-lo, escolho escutar a partir do meu centro de poder, o útero que carregou e cuidou da minha filha por 9 meses. Sei que ainda está cicatrizando, sei que guarda memórias não só minhas. A cada dia é um desafio equilibrar o mundo lá fora com aqui dentro. Nunca fui mulher lá fora, e sim usei minha armadura para poder sobreviver, sobrando pouco tempo para o quão vulnerável é sentir com o corpo, com a alma, como esta linguagem é silenciada, ignorada no meio de tanto barulho, distração. Penso no útero da minha menina, como ela já sente, como posso ajudá-la a ser mais saudável no seu feminino. Olho agora pra ela crescendo no meio das minhas questões, do meu cansaço, da minha necessidade de controle quando a vida me mostra o contrário. Já não tenho mais ao que me apegar, ou me esconder. Não tenho mais profissão pra continuar ignorando meus traumas e frustrações. Todo dia é uma alegria estar na companhia dela ao mesmo tempo que tenho que lidar com minhas emoções, meus pensamentos negativos, minhas dores, minha solidão. Mas no meio da noite, no silêncio, meu útero está ali, batendo como um coração, pedindo para que descanse, que pare de fazer coisas, procurar incansavelmente cómo seguir em frente, que pare de pensar que não sou boa o suficiente, que eu só preciso ser, estar, como uma felina, observando, presente, com prazer, com amor, sem necessidade de dar minha opinião ou posição, sem necessidade de existir como sempre existi, de remar contra a maré, não preciso mais fugir ou encontrar um lugar onde me sinta bem, ele não existe, tenho que estar segura no meio da insegurança, como um tronco de uma árvore no meio da tempestade, e ter a paciência da natureza, com seus ciclos, suas secas, suas chuvas, sua vida que renasce. Preciso parar de ser só fogo e água, ou um vendaval de ideias, sem terra, sem chão, sem raízes. Tenho que estar aqui, encarar o que não me agrada, sentir a amargura, a dor nos ossos, esperar a chuva passar, para que esteja pronta para dançar, renovada, integrando o mundo de fora e o mundo de dentro, a luz e as sombras, sem me apegar a nenhum dos dois lados, apenas sentir com meu útero, meu contrato com a terra, ser uma filha da terra.

 É desta oração que derivou a versão atual do "Pai-Nosso".Ela está escrita em aramaico, numa pedra branca de mármore, em Jerusalém...