sábado, 27 de maio de 2023

Transformar dores em dons

 


Esperanza me transformou em o que eu sou, resgatou minha alma e me tirou a ilusão que vivia agarrada sobre o que acreditava de mim. Se hoje não me reconheço é porque o que fui já estava com prazo de validade vencido. Nós temos medos do que somos,  da nossa imperfeição, da tamanho da nossa fragilidade. Mas o amor chegou, chegou até a mim através da minha menina.  A carreguei por nove meses, me atravessou o corpo, me fez em mil pedaços por onde é possível passar a luz. A mulher em mim se reergueu e encerrou um ciclo de abusos que se mantinha por gerações de mulheres. Minhas fronteiras estão cada vez mais estabelecidas, não necessito mais de força e cansaço para mantê-las, só tomo meu território, meu corpo, minha maternidade, meus pensamentos. Penso por mim mesma, amo da minha maneira, o que aparento ser é tão fugaz, tão pequeno que não alcança minhas profundezas. Minhas feridas seguem aqui, mas não dou tanta atenção para elas. A duras penas venho aprendendo a conviver com minhas dores e minhas sombras.  Já não busco verdades, já não busco a mim mesma ou o outro. Apenas fico com o que é meu, e vou aprendendo como um caracol com asas a dar voz aos meus dons. Ser mulher, em essência, me amando para além da culpa de não ter sido amada, desejada. Minha alma se encontra com ela mesma. Conheço a solidão desde que decidí vir para este mundo, não há nada a temer. Recolho meus atiradores, meu escudo é ser eu mesma, cada dia. Mãe, mulher, espírito livre, caminhando por esta Terra. 

Luz de luna, Bruna

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Ostra feliz não faz pérola

 


Meus dois mundos, a maternidade e minha história pessoal, a mulher que estou me transformando. Há um ano dia 19 de maio eu começava a sentir sua vinda, tão intensa, avassaladora, saímos de Garopaba e fomos parar no hospital, assim como a vida é implacável, nada aconteceu como planejado e tudo aconteceu como devia ser. Só fiquei eu em mais pedaços. Passamos a madrugada juntas,  no frio, com dor, com visões, com coisas tão profundas que eu nem sequer sabia que existia em mim. Minha pequena, minha menina tão desejada, aqui estamos, eu na minha singular jornada, choro partes de mim dão doloridas para abrir espaço para a alegria que você me traz. Chegaste como a luz do sol, um fogo ardente no meio da escuridão e ali eu me despedi de quem eu fui. Hoje no meio da tristeza que guardei por tanto amor interrompido na minha vida, às vezes nem acredito que chegamos aqui. Você tão amorosa, tão intensa, tão poderosa, transformou o que eu já não acreditava mais, me fez em mais pedaços para que eu pudesse sair inteira. Não, não sou uma mãe comum, não sou perfeita, não sou completa. É um mistério, você é tudo para mim, e amo como mudou minha vida completamente, apesar das lágrimas que caem pelos meus apegos e minha necessidade tão doida de mãe. Está noite eu sonhei e dizia, eu sou mãe, não posso mais perder meu tempo com está história de sofrimento que vivi. Não há mais espaço Esperanza, demoramos para nos reencontrar minha filha da alma. E assim com te pari, vou me despedindo de tudo o que foi, enquanto te abraço com força para ser tudo o que somos. Te amo infinitamente, e tua passagem por esta vida me ilumina e ilumina o mundo. Que eu possa ser a mãe que você precisa para caminhar pela terra, assim como você é a filha perfeita para mim. 


sexta-feira, 5 de maio de 2023

Maio maduro maio

 


Despertei cedo, é eclipse, sinto no meu íntimo o final de um ciclo, o final de muitas coisas... há um ano eu estava esperando, eu mal sabia o que esses dias de maio iriam significar na minha vida. Mas eu me sentia livre, eu me sentia plena e não sabia o que estava me acontecendo, eu nunca soube. 40 semanas de gestação e nada de trabalho de parto. Decidi bater fotos, ver o sol nascer, escutar o mar. Foi onde escolhemos viver, foi onde eu precisei me curar e seguir meu caminho. Maio nunca mais será o mesmo. Eu nunca mais serei a mesma...depois que se divide o corpo com outra vida, que divide tuas emoções, tua história, teus medos, sinto um responsabilidade maior sobre mim mesma, onde o que estava na escuridão vem à superfície, afinal não é apenas um bebê que vem pra terra, é uma alma, um espírito, um ser humano do qual você deu origem através do nascimento, como uma passagem, um portal que passa por uma mulher, pelo útero, do seu mais íntimo ser. Esperanza veio com 42 semanas, por fim nasceu no hospital, em uma viagem até lá, uma intensa jornada, sem pausa, com muita dor, muita força, e um medo de tanta expansão, de estar exposta, fragilizada (só quem sofreu abusos sabe o que isso significa), mas não há outra maneira, eu morri para dar à luz, e sinto ainda hoje o impacto, impossível de relatar para nossa mente limitada, atrofiada. Mais sei que minha voz ao parir guardava dores, informações da que pariram antes de mim, mal sabia o que estava carregando, o que estava rompendo, o que estaba terminando, minha voz sentia como uma frequência, uma linha que me protegia de tudo ao redor. A gestação é um sonho, uma ilusão, para amortecer o impacto do que vem depois...e assim despertei para o amor, o conheci pela primeira vez, pois já me havia sido negado, mas a vida e seus mistérios, eu que não entendo nada dela, me transpassa, está sempre me quebrando, e eu teimosa, com meu ego difícil, que só me causa sofrimento desnecessário, com minha demasiada proteção para sobreviver, me abri mais uma vez para o amor, não para a vida ou para mim, mas para o amor de mãe e filha, para além do tempo e do espaço, minha alma se alegra, meu corpo está em festa.


quinta-feira, 4 de maio de 2023

A profunda tristeza por trás de tudo



" [...] este mundo onde nascemos e que vemos belo e perfeito na aparência, é cruel e perigoso e por detrás de tudo há um perigo…a violência humana que começa na parental…e a da natureza, uma simples vespa que te pica, ou um crocodilo que te come uma perna, e mesmo por detrás de cada árvore ou planta há uma serpente e de cada rosa, a flor mais bela, há um espinho e cada animal, o mais inocente, tem um predador que o persegue e mata para comer…e os homens tem a guerra e o crime, as paixões por coisas de nada…Não, este mundo não é de deuses nem de anjos, é de predadores em que os deuses são inclementes, e as forças da natureza implacáveis e podem destruir tudo num ápice e assim o mar e o ceu…mas nós fomos forçados a acreditar num mundo que não existe, a fugir ao absurdo de viver no medo, criando cidades monstruosas, lugares fictícios, paraísos perdidos e por ultimo tecnologia que nada humaniza…fomos forçados a acreditar num mundo falso supostamente justo, de luta entre o bem e o mal e dai buscando mil formas de tapar a realidade que nos assustava em criança e o medo da crueldade humana e animal e acabamos por construir um mundo artificial onde pudéssemos viver…"

Rosa Leonor Pedro

Eu sinto uma profunda tristeza e uma profunda raiva. Nada na minha história é diferente do que está escrito aí. Com crochês, Tupperwares e outras coisas pra manter a casa organizada e bonitinha foi escondido coisas sujas, podres. Eu queria descer os degraus para saber o que tinha lá no fundo e hoje me assombro. Nada é novo no mundo das mulheres, mas conhecer o que foi oculto é devastador para a psique. Não sou fruto de amor, sou fruto de violência. Seja lá como está história se desenrolou em sua verdadeira essência, a sinto desde meu útero e da minha alma quebrada. Quero chorar rios, meu choro vem com injustiça, violação, silêncios, torturas psicológicas. O que posso dizer nesta minha insignificância existência é que os danos que uma mulher dissociada do seu ser pode fazer são muitos, porque nós mulheres podemos ser mães. E eu sou uma. Sim de uma outra história, desejei minha filha antes mesmo de a ter no meu ventre e com muita confiança nela nos encontramos. Após o seu nascimento, eu fui quebrada em mais partes, que inconsciente eu atraí e começou então a minha vida, depois desse tempo todo inventando um jeito de seguir em frente com tanta dor, de abandono, rejeição...Lilith me apareceu, eu não entendi nada, posso dizer que na hora do parto se rompeu algo mim, eu assumi que eu não acredito em Deus. Ainda tenho uma certa esperança em compreender desde outro lugar o que tudo que passei significa, para além de estereótipos, sem dúvidas foi o que minha filha Esperanza não me deixa esquecer. 


segunda-feira, 1 de maio de 2023

A busca, é a busca do outro



 Há um ano meu corpo e minha alma ganharam outro sentido, outra direção. Há uma ano eu não sabia que alguns encontros seriam o fim, enquanto uma nova fase da minha vida começava. A minha percepção sobre minha natureza como mulher mudou completamente, eu eu estava entregue ao processo. Há quase um ano eu recebi minha menina. Este encontro é um grande marco na minha história e na minha existência. Feridas vieram à tona, me senti paralizada, em pânico, enquanto a maternidade seguia seu curso, eu apenas com minha intuição e força para seguir com minha menina, nós estranhas conhecidas enquanto nas sombras, estavam minhas emoções adormecidas. Há uma semana vivi uma sensação devastadora na minha psique, porém quanto mais sei, mais em sinto viva e recebo os pedaços do meu coração e alma quebrada. Minha menina é tudo o que eu não consegui ser: uma filha que cura, uma filha que com amor e harmonia tira uma mulher ferida das sombras para enfim encontrar o seu caminho. No fim percebi que minha busca era a busca do outro, da mãe, pois eu rejeitada no ventre me nutri de emoções venenosas e de situações que no íntimo cada mulher deve ter seu motivo para ficar, enquanto horrorizada eu tento ter compaixão por mim e por ela. A falta me levou a busca, frieza a raiva, e a desconexão a criar um falso senso de eu. Minha vida realmente começou quando pari, tudo o que passou foi um engano difícil de engolir, mas estou digerindo, estou aceitando minha história, que faz parte da história de muitas mulheres, e não, não é bonita. Às vezes sinto um enjôo do qual há muito tempo não consigo vomitar. E cada mulher no seu âmago sabe o que isso significa e como dói. Dói a dor do quanto é ruim ser mulher e o que foi feito com isso. Eu estou aqui ara fazer algo com isso, para não permitir que nos façam mais nada, pensar por mim mesma e descobrir o caminho de me amar. Amar essa mulher cujo a existência foi marcada pela dor e falta de respeito, pelo mal que recai sobre as mulheres, pela sensação de não ser bem vinda neste mundo, por lembrar da ferida, indesejada seguí, indesejada inventei uma história para sobreviver, bati em algumas portas, em alguns templos...nunca há espaço para nós se você não servir, e eu quero servir a mim mesma...eu pari minha menina, nós nos encontramos, ela me salvou, me deu meu primeiro abraço de amor, ali eu senti com toda força que uma mulher pode sentir que não havia "deus", só havia eu mesma e a alma que trazia no ventre. Neste mistério nosso encontro, a ruptura da vida quebrada que eu vivia e agora, silêncio, espera, assombro e por amor eu sigo, não preciso mais buscar o outro, eu já me encontrei.

Luz de luna

 É desta oração que derivou a versão atual do "Pai-Nosso".Ela está escrita em aramaico, numa pedra branca de mármore, em Jerusalém...