quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Jesus de Nazaré, indignado com o patriarcado




A maioria das religiões nunca se deu bem com as mulheres – nem mesmo mulheres – nem mesmo hoje – que são as eternas esquecidas e as grandes perdedoras, consideradas subalternas e muitas vezes transformadas em servas de líderes religiosos. Seus corpos e mentes são colonizados. Eles não são reconhecidos como sujeitos morais, religiosos e teológicos porque a masculinidade sagrada patriarcal prevalece nas religiões.

A intelectual feminista Mary Daly tem razão quando em seu livro Além de Deus Pai afirma que "Se Deus é homem, o homem é Deus", e a feminista da terceira onda Kate Millet, que em seu livro Política Sexual, diz que "o patriarcado tem Deus do seu lado". Mas não porque o Deus cristão seja misógino, sexista e patriarcal, mas porque essa é a imagem oferecida pelo patriarcado religioso, em aliança com outros patriarcados.
Uma atitude escondida durante séculos

Muito diferente, no entanto, foi a atitude de Jesus de Nazaré, que mostrou sua indignação de maneira especial com a sociedade patriarcal e a religião de seu tempo. O cristianismo histórico manteve essa atitude oculta por muitos séculos, uma vez que as igrejas cristãs se configuraram patriarcalmente e precisavam legitimar essa configuração através de uma imagem igualmente patriarcal do próprio Jesus, sua mensagem e sua prática.

Nem a exegese e a teologia puderam descobrir esta indignação, uma vez que quase sempre operaram, até muito recentemente, com métodos histórico-críticos androcêntricos, que eram patriarcais na compreensão da realidade, na tradução e interpretação dos textos e nas imagens que ofereciam de Jesus na pregação, catequese, tratados teológicos e livros de piedade.

Hoje, graças à hermenêutica feminista e à teologia da suspeita e aos estudos da antropologia cultural e da sociologia do Novo Testamento, do cristianismo primitivo e do Jesus histórico, torna-se evidente a centralidade da indignação de Jesus contra o patriarcado religioso, político, social e jurídico do seu tempo.

Jesus reconhece às mulheres a dignidade que o judaísmo ortodoxo lhes negou em todos os níveis. Põe em causa as leis penais que condenam as mulheres mais severamente do que os homens, como o apedrejamento por adultério e a calúnia de repúdio. Na cena evangélica da mulher adúltera há dois elementos a serem levados em conta na conduta de Jesus: a) Ele lança na cara dos acusadores seus dois pesos e duas medidas; (b) Perdoa a mulher, isentando-a da punição imposta por lei.

Ele valoriza muito positivamente o gesto generoso da mulher que aparece na casa do fariseu Simão, onde Jesus estava comendo, e derrama sobre ele um frasco de perfume, que mostra proximidade, e até ternura, para com Jesus e reconhecimento simbólico de sua messianidade. Em outra ocasião, Jesus ousa afirmar, com grande escândalo para as autoridades religiosas, que prostitutas, pecadores e cobradores de impostos precederão no reino dos céus os fiéis que cumprem a lei. Tal curso de ação entra em conflito com os guardiões da lei.
Movimento igualitário

Põe em marcha um movimento igualitário de homens e mulheres, onde o sexo não é motivo de discriminação ou reconhecimento especial. O elemento comum dos homens e das mulheres no seio do grupo é o seguinte do Mestre, que exige: partilhar o seu estilo de vida pobre, aceitar o seu ensinamento e proclamar o Reino de Deus como boa nova de libertação para os indivíduos e grupos empobrecidos e marginalizados. Isto é evidenciado por um texto do Evangelho de Lucas que se refere às mulheres que acompanharam Jesus, algo que era incomum entre os rabinos judeus (Lc 8,1-3).

Jesus reconhece a dignidade e a cidadania das mulheres que lhes são negadas pela religião, pela sociedade e pelo Império Romano. A atitude integradora e inclusiva de Jesus necessariamente provocou conflitos, constituiu um desafio às estruturas patriarcais do judaísmo e seu discurso androcêntrico e implicou uma mudança revolucionária não apenas no campo religioso, mas também no terreno político e social.

As mulheres desempenharam um papel decisivo na expansão do movimento de Jesus para além das fronteiras de Israel. Isto parece ser indicado por dois relatos evangélicos pertencentes a duas tradições diferentes: a da mulher samaritana, difundida da Boa Nova de Jesus no meio de um povo heterodoxo aos olhos dos judeus (Jo 4), e a da Sirofenícia, uma mulher pagã que pede a Jesus a cura da sua filha, possuída por um espírito impuro (Mc 7, 24-30; Mt 15, 21-28) e consegue superar sua resistência inicial.
Primeiras testemunhas do Ressuscitado

Todavia onde todos os padrões patriarcais da sociedade e da religião judaicas estão quebrados é nos relatos da Ressurreição. As mulheres, cujo testemunho era inútil, aparecem como as primeiras testemunhas do Ressuscitado. Os Doze aparecem como testemunhas indiretas que acessam o conhecimento da ressurreição através das mulheres. A atitude daqueles em relação ao testemunho das mulheres é consistente com o comportamento adotado durante o processo de Jesus: se eles fugiram então, eles agora estão reticentes e desnorteados. Como judeus misóginos, eles não acreditam nas mulheres.

Paulo de Tarso excluiu as mulheres da lista de aparições, substituindo-as pelos Doze apóstolos e Maria Madalena por Pedro (1 Cor 15,3-8). Mas isso não impediu o próprio Paulo de reconhecer a igualdade entre homens e mulheres (Gal 3,26-28) e de ter responsabilidades gerenciais nas comunidades paulinas. Concordo com Suzanne Tunc: "Elas são o elo indispensável na transmissão da mensagem evangélica, e até mesmo o elo essencial para a nossa fé em Cristo ressuscitado!"

Vou ainda mais longe: sem o testemunho e a experiência da Ressurreição por parte das mulheres, talvez a Igreja cristã não tivesse nascido. Eles são encontrados nas origens e no desenvolvimento inicial do cristianismo. Por isso é inexplicável que, uma vez que as mulheres foram a origem da Igreja, elas logo sofreram tal marginalização que dura até hoje, sem sinais de mudança, pelo menos institucionalmente. Nas bases cristãs há mudanças importantes, que levaram à rebelião das mulheres e ao nascimento da teologia feminista.

Juan José Tamayo, Fonte: Religión Digital

Fonte: https://www.xaverianos.org.br/noticias-e-artigos/teologia/2664-jesus-de-nazare-indignado-com-o-patriarcado

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Desmame, dores no pescoço e dificuldade em dizer NÃO

 



Eu somente havia me preocupado em dar de mamá para minha filha, para superar gerações pelo menos duas gerações em que os bebês da família mamavam até os 4 meses. Em um 1 ano e 9 meses eu já estou além do que chamam de exaustão. Chegando a sentir um sufocamento de segunda a segunda de uma maternidade integral e de tantos padrões de dores que trago. Então há duas noites, uma voz às 4 da manhã, minha voz interna disse não para minha menina. Ela chorou muito, desesperada e meu companheiro me olhava esperando que desse de mamar. Então saiu "eu não vou mais fazer isso",  "não vou mais..."...seja lá o que for se misturou com outras questões que necessitam de um limite. A dificuldade em dizer não e  desagradar o outro. E mais para mim, que vivi e vivo uma relação de rejeição e super tóxica com minha mãe, queria desapontar minha menina. Mas as mágoas são minhas e não dela. Ela come bem, ela tem autonomia, ela é feliz, ela dorme bem. Ela tem eu de mãe e eu sempre a desejei. Enquanto para mim tem sido muito dolorosa a aceitação das circunstâncias da minha relação com a minha mãe e toda a situação a cerca de como fui concebida e todos os traumas que vivi nesses 32 anos, é hora de dizer não. Esse não é com amor, por mim, por ela. Mas dói, há um lado rígido de mim que quer dar sem medidas e outro que pede socorro porque eu tenho que atender as minhas necessidades, eu tenho que aprender que sou importante. E confiar no processo da vida...minha filha não sou eu. Nós temos uma relação de amor, a qual desconheço completamente com minha mãe. Entre minhas dores e amor vamos seguindo. Com meus limites ensino minha menina a colocar os seus, a sigo protegendo nesta maternidade invisível, de cansaços, alegrias, grandes reflexões e um desejo profundo de mudança. Eu já não sou a mesma. Há partes que precisam morrer e que eu encontre os processos para isso. "


Os males da nuca

As tensões, os sofrimentos ou o bloqueio da nuca exprimem a nossa dificuldade ou a nossa incapacidade para fazer com que desejos, idéias, conceitos, vontades etc. passem para o real. No entanto, ao contrário da tensão dos ombros, que significa globalmente a mesma coisa, no caso da nuca, estamos no estágio em que as coisas não chegaram "à porta" da passagem ao ato. Isso significa que não podemos fazê-las passar para o real, porque achamos que não somos capazes. A incapacitação é de nossa responsabilidade, ao passo que, quando se trata do bloqueio nos ombros, presume-se que ela venha dos outros, do mundo exterior. A irradiação na direção de um dos ombros que pode existir paralelamente nos dará uma indicação a mais - a da simbólica Yin ou Yang - cuja imagem interior nos faz pensar que não somos capazes.

Que eu possa me lembrar, o caso mais clássico e mais simples é o do torcicolo. Essa tensão na nunca tem um efeito físico direto que nos impede, às vezes à custa de muita dor, de virar a cabeça tanto para a direita como para a esquerda. Ora, qual é a significação universal do gesto de virar a cabeça para a direita e para a esquerda? Em todas as culturas do mundo, esse movimento quer dizer "não". É o sinal da discordância, da recusa, da não-aceitação em relação ao que acontece ou ao que o outro diz ou faz. O torcicolo nos impede de fazer esse gesto. Ele demonstra a nossa incapacidade para dizer "não" a alguém ou a uma situação. Achamos que não temos o direito, a possibilidade ou a capacidade de fazê-lo. Esse exemplo me faz pensar em Bernard, executivo de uma grande empresa francesa de distribuição, que assistia a um dos meus seminários de empresa sobre a Dinâmica das Relações. Esse homem sofria de um torcicolo comprometedor havia três dias. Eu lhe perguntei então se ele vivia alguma situação à qual gostaria de dizer "não", coisa que se recusava a fazer pois achava que não podia ou que não tinha o direito de fazer. Antes de tudo, ele ficou desconcertado. No entanto, refletiu por alguns instantes e depois conheceu, para o seu próprio espanto, que vivia, na realidade, uma situação prwofissional desse tipo. O presidente geral do seu grupo, do qual ele era um dos principais representantes regionais, tinha uma mania que considerava muito importante: a de organizar reuniões de prestígio para os seus executivos, que o Bernard chamava de "longa missa". Na sua opinião, essas reuniões, que duravam de um a três dias, não acrescentavam grande coisa, a não ser fazer com que ele perdesse tempo enquanto havia muito a fazer in loco. No entanto, não havia como recusar, dizia, senão, corria o risco de ser "desagradável", de que a recusa fosse mal "recebida". Ora, ele acabara de saber, três dias antes do seminário,que uma nova "longa missa" devia acontecer no mês seguinte, período em que ele normalmente estaria nas lojas da província pelas quais era responsável. Ele soube da novidade  na segunda à noite e, na terça de manhã, acordou com um torcicolo que ainda o bloqueava na quinta durante o seminário. Ele decidiu então refletir sobre uma maneira de exprimir a sua discordância com a sua hierarquia, ou então, em caso contrário, de aceitar essas "longas missas".Podemos ilustrar e fazer um resumo dos grandes eixos da parte "alta" do nosso corpo - nossos braços, nossos ombros e nossa nuca - no esquema que se segue. Ele possibilita uma visualização simples do que se passa e como se passa. Cada vez que temos tensões na parte superior do nosso corpo, elas são um sinal de que, na nossa relação com a ação (desejo, vontade, impossibilidade, incapacidade, medo etc.) ou com o poder sobre as coisas e sobre os seres, vivemos uma tensão equivalente. Essa tensão está ligada ou à nossa suposta incapacidade (nuca), ou a uma incapacidade vinda do exterior (ombro). Estamos diante de algo que não podemos, não sabemos ou não chegamos a fazer."

Do livro Diga me onde dói e te direi porquê 



 É desta oração que derivou a versão atual do "Pai-Nosso".Ela está escrita em aramaico, numa pedra branca de mármore, em Jerusalém...