sexta-feira, 28 de abril de 2023

Tempo do Medo

 



Os que trabalham têm medo de perder o trabalho.

Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho.

Quem não tem medo da fome, tem medo de comida.

Os motoristas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de serem atropelados.

A democracia tem medo de lembrar e a linguagem tem medo de dizer.

Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.

É o tempo do medo.

Medo da mulher da violência do homem e medo do homem da mulher sem medo.

Medo dos ladrões, medo da polícia.

Medo da porta sem fechaduras, do tempo sem relógios, da criança sem televisão, medo da noite sem comprimidos para dormir e medo do dia sem comprimidos para despertar.

Medo da multidão, medo da solidão, medo do que foi e do que pode ser, medo de morrer, medo de viver.


Eduardo Galeano ‘O Medo Global’, in 𝘋𝘦 𝘱𝘦𝘳𝘯𝘢𝘴 𝘱𝘳𝘰 𝘢𝘳: 𝘢 𝘦𝘴𝘤𝘰𝘭𝘢 𝘥𝘰 𝘮𝘶𝘯𝘥𝘰 𝘢𝘰 𝘢𝘷𝘦𝘴𝘴𝘰

quinta-feira, 27 de abril de 2023

É difícil deixar o sonho morrer


 Nós mulheres desde muito pequenas somos ensinadas a agradar para poder participar de uma sociedade doente há milênios. Nossa alma é fragmentada a um tal ponto que pouco a pouco vamos perdendo qualquer noção de eu ou possibilidade de pensamento próprio. De meninas comportadas com laços vamos direto para a cova dos leões, com uma sexualidade distorcida que nos divide e nos transforma em rivais, as santas ou putas. Os homens não foram divididos, eles seguem entre mulheres bem comportadas e as que não são, passam de uma para outra sem grandes conflitos aparentemente. E nós vamos juntando os pedaços deste dois mundos que criaram para nós, ao ponto que toda a exploração do nosso corpo, sendo criadas para servir pelas próprias mães, que prostradas por esse sociedade não puderam fazer nada e penso eu que não podemos fazer mesmo... é cruel a forma como estamos sobrevivendo, como nos escondemos, ou mostramos demais, ou como silenciamos as profundas violações que passamos, em nome do amor, da família ou o que seja. Passamos de um época para a outra com as mesmas questões, em que o sistema mascara de feminismo (tornar a mulher um homem) ou política (distraindo cada vez mais da sua essência). Não sei muito, sou jovem, mas já percebi essas armadilhas, elas não alimentam a fome da nossa alma e nem tudo o que nos tiraram, nossa espiritualide, nossos ritos, nossa mãe Deméter, ouso aqui na minha fantasia dizer que o rapto foi de Deméter e assim ficamos filhas sem uma mãe para nos iniciar. Somos órfãs, temos muito trabalho pela frente, seja pelas filhas, filhos, seja por nós mesmas... É difícil deixar o sonho morrer, que nada irá nos salvar, nem política, nem "sagrado feminino", ou que mais invente para nós distrair. Pelas nossa mães nos tornamos mulheres infantilizadas e pela universidade fazemos o mesmo que os homens, ocupando seus cargos e lendo seus livros. E logo provavelmente nem poderemos dizer que somos mulheres, neste sistema satânico que assombra nossos dias. É o fim da nossa espécie, seja pela experiência genética a qual a humanidade está passando ou pela crise de identidade que vivemos e gênero, em que querem nos transformar em aberrações, destruindo tudo de belo e puro... começando com as nossas crianças. Sim eu paralizei, sim eu me isolei, já não sei como seguir, desde que cheguei aqui... não posso mais criar um mundo que não existe, a coisa é séria, hoje vivo pelo amor da minha filha e toda a sua força e pureza. Que as mulheres de verdade me abençoem e e eu receba a inspiração para seguir em frente  nesse mundo que acabou. Certeira, como Ártemis.


terça-feira, 18 de abril de 2023

Mãe

 

Mãe

De tantos desencontros

Nós nos recebemos

Cansadas, partidas, feridas

Nunca nos conhecemos inteiras

Nem conhecemos o amor

Quando cheguei já parti

Quando cheguei já haviam muitas distâncias entre nós

Agora sei mãe porque dói, porque não podemos estar juntas de verdade

E sem culpa eu te deixo, com sua dor, eu te libero menina-mulher

Somos tão órfãs, mas tivemos uma a outra

Você me carregou e inventou uma vida para seguir enfrente

Não precisamos mais disto, que nos machuquem quando somos tão sagradas

Não precisamos mais conviver com nosso algoz como se não valessemos nada

Para mim você é tudo, por mais não seja capaz de receber amor

Eu te amei

Mas agora eu sigo, no caminho para mim mesma, por mais que você não aceite

 Solto tua história para seguir com a minha

Minha mãe, minha mãezinha querida, que você seja a última a passar por isso

Te honro e te levo na alma e no meu coração, mesmo que partido...

Bruna, apenas Bruna

domingo, 9 de abril de 2023

Sou mulher

 



Meu amor, minha menina

Mamãe está aqui para ti

Sinto muito pela minha dor

Mas hoje eu me permito chorar

Dói, dói muito, mas a dor é minha

O teu nome Esperanza me traz alegria

Enquanto integro pouco a pouco minhas partes perdidas

Por mim, por ti

Tu vieste ao meu encontro

E nos encontramos nuas entre amor e dor

Mistérios da vida e da morte

Mistérios de mãe e filha

Mi amor, mi alma, mi vida

Não sou mais apenas menina ferida

Sou mulher

Sou mulher 

Bruna, apenas Bruna

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Baubo, a Deusa do ventre



OUÇAM A NOSSA HISTÓRIA...(…)


“Esta é a minha versão de Baubo que ainda cintila na mitologia grega pós matriarcal e nos hinos homéricos:


Deméter, a mãe-terra, tinha uma linda filha chamada Perséfone, que estava um dia a brincar ao ar livre. Perséfone encontrou por acaso uma flor de rara beleza e estendeu os dedos para tocar o seu lindo cálice. De repente, a terra começou a tremer e uma gigantesca fenda abriu-se em ziguezague. Das profundezas da terra chegou Hades, o deus dos Infernos. Ele chegou alto e majestosos numa biga negra puxada por quatro cavalos da cor de fantasmas.
Hades apanhou Perséfone, levando-a no meio de uma confusão de véus e sandálias.
Ele guiou, então seus cavalos cada vez mais para dentro da terra. Os gritos de Perséfone foram ficando cada vez mais fracos à medida que a fenda se foi fechando como se nada tivesse acontecido.
Por toda a terra se abateu um silêncio e perfume de flores esmagadas....
Não se via Perséfone em parte alguma.
...E assim começou a procura longa e enlouquecida de Deméter pela sua filha querida.
...E quando recostou o seu corpo dorido na pedra fresca de um poço, chegou ali uma mulher, ou melhor, uma espécie de mulher.

E essa mulher chegou dançando até Deméter, balançando os quadris de um jeito que sugeria a relação sexual, e balançando os seios nessa sua pequena dança. E, quando Deméter a viu, não pôde deixar de sorrir um pouco.


A fêmea que dançava era realmente mágica, pois não tinha nenhum tipo de cabeça, seus mamilos eram seus olhos e a sua vulva era a sua boca. Foi com essa boquinha que ela começou a regalar Deméter com algumas piadas picantes e engraçada. Deméter começou a sorrir, depois deu um risinho abafado e em seguida uma boa gargalhada. Juntas, as duas mulheres riram, a pequena deusa do ventre, Baubo, e a poderosa deusa mãe da terra, Deméter.
E foi exactamente esse riso que tirou Deméter da sua depressão e lhe deu energia para prosseguir a sua busca pela filha, que acabou em suceo, com a ajuda de Baubo, da velha Hecáte, e do sol Hélios. Restituiram Perséfone à sua mãe. O mundo, a terra e o ventre das mulheres voltaram a vicejar."

Clarissa Pinkola Estés, em "Mulheres que correm com Lobos (via Rosa Leonor Pedro)


Em que momento percebemos nossa condição feminina?


 Tenho pensando em qual momento do nosso desenvolvimento percebemos que significa ser uma menina ou mulher. Como isso no chega, se é através das nossas mães, qual a primeira imagem que sentimos que não somos merecedoras de atenção, amor e que por algum motivo este mundo não é para nós. Que temos que agradar para sermos aceitas, temos que ser comportadas para pertencemos, talvez às vezes nem sabemos o porque nossa alma livre e movimentos incomodam, porque temos que tão cedo fechar as pernas quando usamos saias, ou porque os meninos podem tudo e nós temos que cuidar do modo como existimos...para além da história da dominação sobre o feminino neste mundo, eu gostaria de saber quando as mulheres perceberam isso, em que momento, qual imagem, sensação, para além dos discursos. E sim o sentimento que nos trava, que nos coloca em um lugar angustiado por ser mulher, em que precisamos ser outra para poder viver e isso se torna nossa máscara, nossa tão conhecida armadura...acho que meus dentes só querem morder, chega de sorrisos, este mundo não merece.

Luz de luna

 É desta oração que derivou a versão atual do "Pai-Nosso".Ela está escrita em aramaico, numa pedra branca de mármore, em Jerusalém...